Ela descansou.
Dona Ana esvaiu lentamente e com uma lucidez que me impressionou.
“Na segunda nos discutimos História do Brasil e alguma coisa de geografia…”
Normal, seria se esta conversa não houvesse ocorrido com minha mãe na véspera do falecimento de sua mãe.
Terça… o tempo parou.
O tempo acabou.
O câncer é uma espera de tempestade.
E quando as nuvens negras aproximam-se, reprimimos a tristeza.
Nos conforta um “estar bem” perturbador de irreversível passar do tempo.
Desfecho.
E aí cabe a fixação prolongada dos olhos sobre o que já esteve lá…
Contemplação…
Velório e sepultamento podem ser palavras que estão em qualquer dicionário.
Mas só se apossam de sentido quando estão entre as primeiras palavras do nosso livro de acordar, ir ao trabalho e atender aquele telefonema….
Eu não creio que se possa habituar com isto.
Eu não creio em tanta coisa…
Dar fé a cada lágrima é difícil… ainda mais quando tudo estava assim tão próximo de uma perturbação familiar constante.
Aproximadas 12 horas ligaram aquele telefonema ao som torpe daquela porta de carro batendo.
Há momentos que são mais que imagem, são impressões que trazem o “causar horror”.
Aquele trajeto: ajeitar a mochila, abrir a porta de trás, pegar a mala, atravessar a rua, comtemplara a rampa da vigília…
Foi tão brutal. Um silêncio. Um cambalear desconfortante.
Eu não sei e acho que nunca ninguém aprende como descrever.
Mas é singular, é como se na minha mais longínqua lembrança eu pudesse me recordar daquele deixar de mala no chão e do tropeço de degrau.
E minhas pernas não me obedeciam…
Os presentes eram incólumes a minha constatação.
E minhas impressões foram rápidas como as lembranças do fogão de lenha da casa da vovó.
Não contive lágrimas. Não contive minhas pernas que teimavam vacilar.
Dona Ana fez-me menos imediatista.
Dona Ana fez-me frágil.
E absolutamente não há atenção ou resposta a cada “meus pêsames” que se ouve.
Eu não sabia o que responder. Não sei.
E aquela, inerte, a menos de um passo era minha “causa”.
Era motor de tudo aquilo que passei.
Era vovó.
E aquilo era pêsames?
E eu passei aquele tempo sem compreender bem o conforto que me fazia soluçar mais.
Minha solidão meio sem sentido fez uma ruptura com “eu” e “eu”.
O irreversível arrebenta.
E eu: não creio?
Dona Ana me destruiu.
Destruiu pelo simples fato de ali inerte não me dizer nada.
“Como estava?”
“Onde estava?”
“Como era?”
O descer torpe a sepultura só foi mais lento que as lágrimas que não controlava em minha solidão mais interior.
É como se ali estivesse o terminar tudo.
Eu sentei e chorei.
E ali, marginal, eu quis crer nos mais lindos sorrisos.
Nos mais sublimes cheiros de madeira queimada.
E ali, a terra, que até antes julgava torpe, tornou-se familiar.
E o que eu nem sei… Dona Ana… um dia vou eu.
Corriqueiro… arremessei pedras pro lago que era eu mesmo
…restaram meus propósitos de ingressar no conturbado não sei.
Eu não ouvi no rádio… Faleceu hoje…