interessado em alguma bobagem

domingo, 7 de dezembro de 2008

a sociedade correndo atrás

Foi naquele olhar arrogante
Do sem jeito, trejeito, lixo de viver
Que vi do que o tempo precisa
O que o passado realiza
E o que minha lógica não permite


Eu vi o que Deus insiste
O Diabo ironiza
E eu, finjo, não saber.

domingo, 2 de novembro de 2008

perguntas e algumas meias respostas e outras nem respostas assim

Como você está?
.
"Bem". Funciona como um "Bom dia" ou "Boa noite". Às vezes nem se quer bem saber a resposta. Noutras, há uma vontade enorme de mandar a "puta que o pariu". E mesmo que esteja pensando em pular da sacada: "Bem".
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Onde você está?
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Estou onde deveria estar, ou onde me permitem estar, ou onde tenho que estar. Realmente isto influência o objetivo de nossa conversa?
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O que está fazendo?
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Escrevendo em um blog.
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Você está feliz?
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Não consigo definir bem o que seja isto. Se está ou se é feliz?
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O que você fez ontem?
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Acordei. Quis dormir mais. Cochilei mais um pouco. Quis não acordar. Pulei da cama. Não escovei os dentes. Quis comer alguma coisa mas estava sem nada na geladeira e no armário. Coloquei uma coca-cola. Fui para a sacada. Fumei um cigarro. Esqueci a coca-cola pela metade. Deitei. Liguei a TV. Assisti coisas desinteressantes. Fiz xixi. Escovei os dentes. Voltei a sacada e bebi a coca cola quente. Fumei outro cigarro. Deitei. Arrumei o cabelo. Vesti uma calça e uma camiseta que não aparentassem a sujeira, não coloquei cueca. Comprei cerveja e lasanha. Observei o tempo e olhei pro sol até lacrimejar. Reparei algumas pessoas interessantes. Voltei pra casa e não quis cumprimentar o porteiro. Coloquei a lasanha para assar. Abri uma cerveja, não estava gelada e ficou na sacada quase que pela metade. Comi. Tirei a roupa. Bebi umas outras dez cervejas intercaladas por cigarros, esparramado no chão da sacada. Tomei banho. Deitei e quis dormir. Levantei novamente... até quando lhe importa?
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Como está aí?
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Chovendo.
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Você está namorando?
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Vamos pra cama? Só sexo ou um relacionamento mais longo?
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E aí?
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E lá? E ali?
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O que você quer fazer?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

descolado

A diferença básica entre ser descolado e um grande babaca: assistir a MTV.
Se for assistir, eu sou quadrado.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

convém

Inútil conversa.
Cordial furto do erudito.
Consciência vestida de verdades particulares.
Tranquilos?
Decentes?
Vícios e extravagâncias sem decoro.
Degenerados hábitos, que não atreve-se condenar.
Mesmo sangue d'alma.
Entremesclado de luz e ódio.
Mascarado nicho, nu, do inferno.


Decerto bebi e beijei-lhe inocente.


Pacífico.
Infantil e esquecido.
Amargo.
O mundo torna-lhe assim.

Independência,
Diante de nuances suaves e não menos irônicas



Convém, convém.
Meu bem.
Convém
Pois eu tenho acordado sem dormir.

cosmo-metro-pole-ita

Ouro Belo
do Horizonte Preto
do Bra-z-il Central
Acima das descobertas Uberlandenses
Eu vou levando
Esperando o tempo que passa
Pensando em Patrocínio.

(Goiânia, 25/09/2008)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

bancos na esquina


Eu sou o oposto da infância.
Espanto os modos.
Eu choro.
Meu animo, eu influencio.
Da bancada da feira da vida,
Eu molho minhas incertezas.
Finita metrópole.
Remonto o tempo,
Crio os amigos.
Escondo o desconto de um Setembro.
Insisto em descansar,
Cada olhar.
Passeio, na vida
Extraio o saldo de ter sido feliz.


(Goiânia, Setembro de 2008. Depois de falar com amigos.)

eu li em um muro que...

Bendita seja a pequena pobreza.
E a luz de ontem que não brilha hoje.
Cortes. Dos que, brancos, não sofrem.
Bendita seja a tristeza da saudade.
Feliz, a noite de quem me deixa só.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

estes ideais que se podem alcançar....

Sem autorização de um cara chamado Donato Campos Dias Aguiar.... Pois amigos são aqueles que não se esquecem... do bar, da rua, dos tombos, da vida.... pois como Hermann Hesse disse: "Os ideais serão algo que se possa alcançar?"

Estaca cravada no zero
talvez a rota esteja mesmo equivocada.
depois de passar por tantos desvarios
enfrentando minha insanidade em sua força maior
percebi que retornei à estaca zero
de uma busca que insiste em se tornar insólita.
retornei ao ponto em que sempre estive
porém agora,com a alma experiente
e com o coração dilacerado.
.
Donato Campos Dias Aguiar.

domingo, 31 de agosto de 2008

pretérito sem passado

Eu lembro de ouvir inclusive em velórios...
Saudade

Quando você chegar
Mr. John
Pensei em escrever seu nome num papel
Ou me lembrar daqueles versos que eu gostava
Tentei escrever uma canção pra você
Fiquei pensando se eu ainda te amava
Então olhei as flores no jardim
Por um instante elas sorriram pra mim
Pensei bobeiras que eu nem sei ao certo
Por um instante eu vi você mais perto de mim
Nem sei se posso ver você
Com os olhos que te vi um dia
Amanhã, quando você chegar
Eu vou correr pra poder te abraçar
Me dê a mão, vamos sair por ai
Eu vou dizer coisas bonitas pra você
Nunca mais partir
Rodei mil vezes ao redor da mesa da sala
Pra nao lembrar coisas que só você me fala
Cantei pra esquecer o tédio da espera
Já nao sou mais daquele jeito que eu era
Mas sei que você também mudou
Todos mudam com o tempo.
.
.
.
Mr. Marcos Mol.... eu num vou esquecer isso tão cedo....

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

nudez

eu sou para o tempo...

saliva...

eu sou o vento....
eu sou o que não toco...
topo, paro... olho...

desinteressado...
nú...

pequeno mundo....
onde as crianças choram
e os adultos pensam que são felizes...

tempo...
tem muito que choro...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

andei lendo max weber

“O homem sensato adapta-se ao mundo. O insano tenta exatamente o contrário. Portanto, todo o progresso depende dos loucos.” Max Weber

Patrícia Roeser sempre me trás boas influências...

santos pecados de nós quatro

Somos demônios de um passado lúdico
Como santos de um futuro ilusório
Somos sensatos na presença de humanos
Como imortais transfigurados num palácio de semideuses
Louvamos o lixo e o egocentrismo
Esquecemos tal centro, que se tornou latrina.
Fomos pobres ricos, pois fomos amigos.
Unimos ao útil o agradável ódio
Falaram tão mal que nos tornamos superiores
Fomos deuses numa terra de cego
Vimos o que ninguém viu
Louvamos uns aos outros
Mas esquecemos que não nos bastávamos.
(Patrocínio - Segundo semestre de 2001 - a amigos)

domingo, 10 de agosto de 2008

os "indo embora"


Estou orfão de mim mesmo. Orfão de decisões que independem de mim. Uma febre que me atinge de forma impiedosa, que vem do medo da espera.

Eu não curti a noite. Eu fiquei sozinho contando as mazelas de noites passadas. Pensando nos erros cometidos e nos acertos inevitáveis.

Tudo bem, eu quis pular da janela. Eu quis não estar nos momentos certos das decisões infundadas que tive. Eu quis ser puro e não ter maldade.

Mas é difícil acertar num presente infundado.

É... mais uma vez eu estou indo embora. Mais uma vez eu não aceito a rotina de um dia seguinte. Eu não entendo muito bem como é que em todas estas vezes eu sento em minha cama e choro. Aquele choro de criança que estoura o peito. Aquele choro que num cala e que um afago acelera.

É... eu quero ir embora muitas outras vezes, pois esse choro me renova, me faz ser maior, me faz pular da cama no outro dia com meus mil e um pés direitos.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

barbárie cotidiana (segunda publicação)

Supraterrena alvorada
Imitação pedante das montanhas de lá
Gratidão às doutrinas discutíveis
Destruição natural da natureza que não é divina
Virtudes cheias de cobiça
Os amigos de ontem e o sexo de hoje
Opção da vergonha do filho, refletida na pupila do pai
Abnegação impiedosa da pré-moral instintiva.
Hábitos poderosos nos jejuns impostos e recorrentes
Saudades idealistas e afeminadas
Autodesnudamento do choro que não consigo justificar
Omissão no privilégio raro das máscaras que não refletem.
Eu confesso o eterno mal-entendido.
O silêncio do jogo
O sofrimento que ele proporciona.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

pode ser somente um desabafo

socorro!
por favor
socorro de mim mesmo

sen ti minto ou viu

indiferente
sombra
do, me dou
as faltas
o jejum
o singular
falsetes
prazer
prazeres
pra seres
pra quem? voltaste
medo
medo
medo
medo
medo
medo
medo
quero o luto do pensamento
quero o luto do sentir
sem ti minto
fujo
do medo
do medo
do medo
do mesmo medo
medo
medo
medo e um pouco mais de medo
medo
eu. medo. deste mesmo medo
medo
medo medo

quarta-feira, 2 de julho de 2008

entendo

Novo denovo
sem novo...
Se nem Clarice entende... alguém explique o meu futuro... alguma coisa pra que eu pense em deixar de pensar...



O Ovo e a galinha
Clarice Lispector

De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo.
Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver o ovo nunca se mantêm no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto o ovo há três milênios. – No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. – Só vê o ovo quem já o tiver visto. – Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. – Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. – Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. – Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. – O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe.
Ver o ovo é impossível: o ovo é supervisível como há sons supersônicos. Ninguém é capaz de ver o ovo. O cão vê o ovo? Só as máquinas vêem o ovo. O guindaste vê o ovo. – Quando eu era antiga um ovo pousou no meu ombro. – O amor pelo ovo também não se sente. O amor pelo ovo é supersensível. A gente não sabe que ama o ovo. – Quando eu era antiga fui depositária do ovo e caminhei de leve para não entornar o silêncio do ovo. Quando morri, tiraram de mim o ovo com cuidado. Ainda estava vivo. – Só quem visse o mundo veria o ovo. Como o mundo o ovo é óbvio.
O ovo não existe mais. Como a luz de uma estrela já morta, o ovo propriamente dito não existe mais. – Você é perfeito, ovo. Você é branco. – A você dedico o começo. A você dedico a primeira vez.
Ao ovo dedico a nação chinesa.
O ovo é uma coisa suspensa. Nunca pousou. Quando pousa, não foi ele quem pousou. Foi uma coisa que ficou embaixo do ovo. – Olho o ovo na cozinha com atenção superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando. Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo de vê-lo. – Jamais pensar no ovo é um modo de tê-lo visto. – Será que sei do ovo? É quase certo que sei. Assim: existo, logo sei. – O que eu não sei do ovo é o que realmente importa. O que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente dito. – A Lua é habitada por ovos.
O ovo é uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se.- O ovo desnuda a cozinha. Faz da mesa um plano inclinado. O ovo expõe. – Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais do que a superfície do ovo, está querendo outra coisa: está com fome.
O ovo é a alma da galinha. A galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O ovo certo. Como um projétil parado. Pois ovo é ovo no espaço. Ovo sobre azul. – Eu te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa. – Não toco nele. A aura de meus dedos é que vê o ovo. Não toco nele – Mas dedicar-me à visão do ovo seria morrer para a vida mundana, e eu preciso da gema e da clara. – O ovo me vê. O ovo me idealiza? O ovo me medita? Não, o ovo apenas me vê. É isento da compreensão que fere. – O ovo nunca lutou. Ele é um dom. – O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. – O ovo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. – O ovo é basicamente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos ? Não. O ovo é originário da Macedônia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa espontaneidade. Nas areias da Macedônia um homem com uma vara na mão desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu.
O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso. – O ovo vive foragido por estar sempre adiantado demais para a sua época. – O ovo por enquanto será sempre revolucionário. – Ele vive dentro da galinha para que não o chamem de branco. O ovo é branco mesmo. Mas não pode ser chamado de branco. Não porque isso faça mal a ele, mas as pessoas que chamam ovo de branco, essas pessoas morrem para a vida. Chamar de branco aquilo que é branco pode destruir a humanidade. Uma vez um homem foi acusado de ser o que ele era, e foi chamado de Aquele Homem. Não tinham mentido: Ele era. Mas até hoje ainda não nos recuperamos, uns após outros. A lei geral para continuarmos vivos: pode-se dizer “um rosto bonito”, mas quem disser “O rosto”, morre; por ter esgotado o assunto.
Com o tempo, o ovo se tornou um ovo de galinha. Não o é. Mas, adotado, usa-lhe o sobrenome. – Deve-se dizer “o ovo da galinha”. Se eu disser apenas “o ovo”, esgota-se o assunto, e o mundo fica nu. – Em relação ao ovo, o perigo é que se descubra o que se poderia chamar de beleza, isto é, sua veracidade. A veracidade do ovo não é verossímil. Se descobrirem, podem querer obrigá-lo a se tornar retangular. O perigo não é para o ovo, ele não se tornaria retangular. (Nossa garantia é que ele não pode: não poder é a grande força do ovo: sua grandiosidade vem da grandeza de não poder, que se irradia como um não querer.) Mas quem lutasse por torná-lo retangular estaria perdendo a própria vida. O ovo nos expõe, portanto, em perigo. Nossa vantagem é que o ovo é invisível. E quanto aos iniciados, os iniciados disfarçam o ovo.
Quanto ao corpo da galinha, o corpo da galinha é a maior prova de que o ovo não existe. Basta olhar para a galinha para se tornar óbvio que o ovo é impossível de existir.
E a galinha? O ovo é o grande sacrifício da galinha. O ovo é a cruz que a galinha carrega na vida. O ovo é o sonho inatingível da galinha. A galinha ama o ovo. Ela não sabe que existe o ovo. Se soubesse que tem em si mesma o ovo, perderia o estado de galinha. Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.
É necessário que a galinha não saiba que tem um ovo. Senão ela se salvaria como galinha, o que também não é garantido, mas perderia o ovo. Então ela não sabe. Para que o ovo use a galinha é que a galinha existe. Ela era só para se cumprir, mas gostou. O desarvoramento da galinha vem disso: gostar não fazia parte de nascer. Gostar de estar vivo dói. – Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. – A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio. A galinha é um grande sono. – A galinha sofre de um mal desconhecido. O mal desconhecido é o ovo. – Ela não sabe se explicar: “ sei que o erro está em mim mesma”, ela chama de erro a vida, “não sei mais o que sinto”, etc.
“Etc., etc., etc.,” é o que cacareja o dia inteiro a galinha. A galinha tem muita vida interior. Para falar a verdade a galinha só tem mesmo é vida interior. A nossa visão de sua vida interior é o que chamamos de “galinha”. A vida interior na galinha consiste em agir como se entendesse. Qualquer ameaça e ela grita em escândalo feito uma doida. Tudo isso para que o ovo não se quebre dentro dela. Ovo que se quebra dentro de galinha é como sangue.
A galinha olha o horizonte. Como se da linha do horizonte é que viesse vindo um ovo. Fora de ser um meio de transporte para o ovo, a galinha é tonta, desocupada e míope. Como poderia a galinha se entender se ela é a contradição de um ovo? O ovo ainda é o mesmo que se originou na Macedônia. A galinha é sempre tragédia mais moderna. Está sempre inutilmente a par. E continua sendo redesenhada. Ainda não se achou a forma mais adequada para uma galinha. Enquanto meu vizinho atende ao telefone ele redesenha com lápis distraído a galinha. Mas para a galinha não há jeito: está na sua condição não servir a si própria. Sendo, porém, o seu destino mais importante que ela, e sendo o seu destino o ovo, a sua vida pessoal não nos interessa.
Dentro de si a galinha não reconhece o ovo, mas fora de si também não o reconhece. Quando a galinha vê o ovo pensa que está lidando com uma coisa impossível. É com o coração batendo, com o coração batendo tanto, ela não o reconhece.
De repente olho o ovo na cozinha e vejo nele a comida. Não o reconheço, e meu coração bate. A metamorfose está se fazendo em mim: começo a não poder mais enxergar o ovo. Fora de cada ovo particular, fora de cada ovo que se come, o ovo não existe. Já não consigo mais crer num ovo. Estou cada vez mais sem força de acreditar, estou morrendo, adeus, olhei demais um ovo e ele me foi adormecendo.
A galinha não queria sacrificar a sua vida. A que optou por querer ser “feliz”. A que não percebia que, se passasse a vida desenhando dentro de si como numa iluminura o ovo, ela estaria servindo. A que não sabia perder-se a si mesma. A que pensou que tinha penas de galinha para se cobrir por possuir pele preciosa, sem entender que as penas eram exclusivamente para suavizar, a travessia ao carregar o ovo, porque o sofrimento intenso poderia prejudicar o ovo. A que pensou que o prazer lhe era um dom, sem perceber que era para que ela se distraísse totalmente enquanto o ovo se faria. A que não sabia que “eu” é apenas uma das palavras que se desenham enquanto se atende ao telefone, mera tentativa de buscar forma mais adequada. A que pensou que “eu” significa ter um si-mesmo. As galinhas prejudiciais ao ovo são aquelas que são um “eu” sem trégua. Nelas o “eu” é tão constante que elas já não podem mais pronunciar a palavra “ovo”. Mas, quem sabe, era disso mesmo que o ovo precisava. Pois se elas não estivessem tão distraídas, se prestassem atenção à grande vida que se faz dentro delas, atrapalhariam o ovo.
Comecei a falar da galinha e há muito já não estou falando mais da galinha. Mas ainda estou falando do ovo.
E eis que não entendo o ovo. Só entendo o ovo quebrado: quebro-o na frigideira. É deste modo indireto que me ofereço à existência do ovo: meu sacrifício é reduzir-me à minha própria vida pessoal. Fiz do meu prazer e da minha dor o meu destino disfarçado. E ter apenas a própria vida é, para quem viu o ovo, um sacrifício. Como aqueles que, no convento, varrem o chão e lavam a roupa, servindo sem a glória de função maior, meu trabalho é o de viver os meus prazeres e as minhas dores. É necessário que eu tenha a modéstia de viver.
Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe a casca e forma. E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente.
A todos os agentes são dadas muitas vantagens para que o ovo se faça. Não é o caso de se ter inveja pois, inclusive algumas das condições, piores do que as dos outros, são apenas as condições ideais para o ovo. Quanto ao prazer dos agentes, eles também o recebem sem orgulho. Austeramente vivem todos os prazeres: inclusive é o nosso sacrifício para que o ovo se faça. Já nos foi imposta, inclusive uma natureza adequada a muito prazer. O que facilita. Pelo menos torna menos penoso o prazer.
Há casos de agentes que se suicidam: acham insuficientes as pouquíssimas instruções recebidas e se sentem sem apoio. Houve o caso do agente que revelou publicamente ser agente porque lhe foi intolerável não ser compreendido, e ele não suportava mais não ter o respeito alheio: morreu atropelado quando saía de um restaurante. Houve um outro que nem precisou ser eliminado: ele próprio se consumiu lentamente na sua revolta, sua revolta veio quando ele descobriu que as duas ou três instruções recebidas não incluíam nenhuma explicação. Houve outro também eliminado, porque achava que “a verdade deve ser corajosamente dita”, e começou em primeiro lugar a procurá-la; dele se disse que morreu em nome da verdade com sua inocência; sua aparente coragem era tolice, e era ingênuo o seu desejo de lealdade, ele compreendera que ser leal não é coisa limpa, ser leal é ser desleal para com todo o resto. Esses casos extremos de morte não são por crueldade. É que há um trabalho, digamos cósmico, a ser feito, e os casos individuais infelizmente não podem ser levados em consideração. Para os que sucumbem e se tornam individuais é que existem as instituições, a caridade, a compreensão que não discrimina motivos, a nossa vida humana enfim.
Os ovos estalam na frigideira, e mergulhada no sonho preparo o café da manhã. Sem nenhum senso da realidade, grito pelas crianças que brotam de várias camas, arrastam cadeiras e comem, e o trabalho do dia amanhecido começa, gritado e rido e comido, clara e gema, alegria entre brigas, dia que é o nosso sal e nós somos o sal do dia, viver é extremamente tolerável, viver ocupa e distrai, viver faz rir.
E me faz sorrir no meu mistério. O meu mistério é que eu ser apenas um meio, e não um fim, tem-me dado a mais maliciosa das liberdades: não sou boba e aproveito. Inclusive, faço um mal aos outros que, francamente. O falso emprego que me deram para disfarçar a minha verdadeira função, pois aproveito o falso emprego e dele faço o meu verdadeiro; inclusive o dinheiro que me dão como diária para facilitar a minha vida de modo a que o ovo se faça, pois esse dinheiro eu tenho usado para outros fins, desvio de verba, ultimamente comprei ações na Brahma e estou rica. A isso tudo ainda chamo de ter a necessária modéstia de viver. E também o tempo que me deram, e que nos dão apenas para que no ócio honrado o ovo se faça, pois tenho usado esse tempo para prazeres ilícitos e dores ilícitas, inteiramente esquecida do ovo. Esta é a minha simplicidade.
Ou é isso mesmo que eles querem que me aconteça, exatamente para que o ovo se cumpra? É liberdade ou estou sendo mandada? Pois venho notando que tudo que é erro meu tem sido aproveitado. Minha revolta é que para eles eu não sou nada, eu sou apenas preciosa: eles cuidam de mim segundo por segundo, com a mais absoluta falta de amor; sou apenas preciosa. Com o dinheiro que me dão, ando ultimamente bebendo. Abuso de confiança? Mas é que ninguém sabe como se sente por dentro aquele cujo emprego consiste em fingir que está traindo, e que termina acreditando na própria traição. Cujo emprego consiste em diariamente esquecer. Aquele de quem é exigida a aparente desonra. Nem meu espelho reflete mais um rosto que seja meu. Ou sou um agente, ou é a traição mesmo.
Mas durmo o sono dos justos por saber que minha vida fútil não atrapalha a marcha do grande tempo. Pelo contrário: parece que é exigido de mim que eu seja extremamente fútil, é exigido de mim inclusive que eu durma como justo. Eles me querem preocupada e distraída, e não lhes importa como. Pois, com minha atenção errada e minha tolice grave, eu poderia atrapalhar o que se está fazendo através de mim. É que eu própria, eu propriamente dita, só tenho mesmo servido para atrapalhar. O que me revela que talvez eu seja um agente é a idéia de que meu destino me ultrapassa: pelo menos isso eles tiveram mesmo que me deixar adivinhar, eu era daqueles que fariam mal o trabalho se ao menos não adivinhassem um pouco; fizeram-me esquecer o que me deixaram adivinhar, mas vagamente ficou-me a noção de que meu destino me ultrapassa, e de que sou instrumento do trabalho deles. Mas de qualquer modo era só instrumento que eu poderia ser, pois o trabalho não poderia ser mesmo meu. Já experimentei me estabelecer por conta própria e não deu certo; ficou-me até hoje essa mão trêmula. Tivesse eu insistido um pouco mais e teria perdido para sempre a saúde. Desde então, desde essa malograda experiência, procuro raciocinar desse modo: que já me foi dado muito, que eles já me concederam tudo o que pode ser concedido; e que os outros agentes, muito superiores a mim, também trabalharam apenas para o que não sabiam. E com as mesmas pouquíssimas instruções. Já me foi dado muito; isto, por exemplo: uma vez ou outra, com o coração batendo pelo privilégio, eu pelo menos sei que não estou reconhecendo! Com o coração batendo de emoção, eu pelo menos não compreendo! Com o coração batendo de confiança, eu pelo menos não sei.
Mas e o ovo? Este é um dos subterfúgios deles: enquanto eu falava sobre o ovo, eu tinha esquecido do ovo. “Falai, falai”, instruíram-me eles. E o ovo fica inteiramente protegido por tantas palavras. Falai muito, é uma das instruções, estou tão cansada.
Por devoção ao ovo, eu o esqueci. Meu necessário esquecimento. Meu interesseiro esquecimento. Pois o ovo é um esquivo. Diante de minha adoração possessiva ele poderia retrair-se e nunca mais voltar. Mas se ele for esquecido. Se eu fizer o sacrifício de esquecê-lo. Se o ovo for impossível. Então – livre, delicado, sem mensagem alguma para mim – talvez uma vez ainda ele se locomova do espaço até esta janela que desde sempre deixei aberta. E de madrugada baixe no nosso edifício. Sereno até a cozinha. Iluminando-a de minha palidez.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

terça-feira, 17 de junho de 2008

insensível insegurança

Tornei-me indigesto a sociedade.
Pelos fatos ou atos.
Pelos porquês sem não.
Estou hospedado na solitude do mundo.
Escondido pelo vício, ao infortúnio.
A descarga de civilizações pré-cambrianas alimenta-me.
(Goiânia, junho de 2008)

os valores distorcidos em voga


ENSAIO

O paradoxo do sexo

Há, de fato, mais ou menos liberdade de acordo com as opções sexuais?

Por Francisco Bosco

Alguns acontecimentos recentes permitem apontarmos um paradoxo no modo como se pensa a sexualidade hoje, no Brasil, ou pelo menos nas suas cidades maiores e mais cosmopolitas. Vejamos os dois lados contraditórios da moeda. De um lado, têm se tornado freqüentes as declarações públicas de celebridades a respeito de sua sexualidade plenamente livre: gosto de homens, gosto de mulheres, sou bi, tri, penta, e o que mais tiver vontade de ser. Ora, do ponto de vista ético, isso está perfeito: cada um agindo de acordo com seu desejo, desde que esse desejo não interfira na liberdade do de outras pessoas. O problema, entretanto, está nessa concepção de sexualidade e, simultaneamente, na concepção de liberdade de que se faz o elogio, vinculando uma coisa à outra.

Já faz mais de um século que Freud, em seu revolucionário "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", afirmou que entre a pulsão sexual e seu objeto não existe uma relação inata e com uma direção normal, mas sim, para usar a sua precisa metáfora, uma solda. Todo sujeito possui uma quantidade de energia sexual (libido), mas os objetos sexuais sobre os quais o sujeito investirá essa energia são independentes dela mesma. Trocando em miúdos, ninguém nasce heterossexual, homossexual, bissexual, multissexual; no princípio há apenas a libido. Isso, entretanto, não significa que a pulsão sexual de cada sujeito poderá escolher, em sua vida adulta, qualquer objeto que sua vontade determinar. A "escolha" dos objetos vai sendo determinada pela singularidade da formação do sujeito, por meio de tramas complexas, identificações, alienações constitutivas, marcas, recalques etc. Está claro que escrevi "escolha" assim, entre aspas, porque o que está em jogo tem pouco ou nada de voluntário.

Não quero com isso incorrer num fatalismo da formação da sexualidade, que determinaria para todo sempre o destino da mesma em cada sujeito. Acredito que há acontecimentos na vida que podem mudar as regras do jogo, transformando o sujeito no cerne mesmo de suas fantasias, isto é, efetuando rupturas, abrindo novos caminhos, reconfigurando sua sexualidade. Mas esses acontecimentos não são propriamente cotidianos, são raros; ou seja, a sexualidade não é um campo plenamente livre, no sentido de uma tabula rasa a se deixar escrever por escolhas conscientes, voluntárias. Mesmo um sujeito com uma sexualidade que permite uma ampla gama de escolhas de objetos é um sujeito marcado pela determinação de seu desejo. Essa possibilidade é tão singular e marcada por uma história pessoal quanto qualquer outra. Um sujeito bissexual não me parece mais livre, sob essa perspectiva, do que um heterossexual homofóbico, por exemplo.

Mas o que é ainda mais questionável é a própria concepção de liberdade que está em jogo nessa declaração de irrestrita e incondicionada liberdade de escolha objetal. Ao associar a liberdade ao poder de escolher entre uma multiplicidade ilimitada de objetos sexuais, o que parece ocorrer é uma extensão do ditame do hiperconsumo à esfera da sexualidade. No entanto todos sabemos que não somos necessariamente mais felizes por poder escolher um perfume numa loja que os tem aos milhares. Portanto fica a pergunta: haverá mesmo alguma vantagem existencial em se representar a sexualidade sob a lógica do free shop?

Liberdade sexual
Por outro lado, o episódio envolvendo o jogador Ronaldo e três travestis fez vir à tona o avesso daquela liberdade improvável: a homofobia, a hipocrisia, o machismo, o conservadorismo, em suma, o que há de pior nas representações sociais da sexualidade. Ronaldo está sendo condenado, digo, massacrado, porque pegou travestis para fazer um programa. Não nos confundamos: o massacre nada tem a ver com o possível consumo de drogas pelo jogador, com o fato de ele ter se envolvido com prostituição ou com as implicações éticas que esse ato traz à sua relação amorosa (ele está, ou estava, noivo). As pessoas que o condenam parecem autorizar o consumo ilegal de drogas, o sexo pago e a "traição" masculina (não vou entrar no mérito desses três pontos), mas se sentem aviltadas por um ídolo ter ido parar num motel com travestis.

Pior, o próprio Ronaldo faz coro aos que o julgam. A entrevista que ele concedeu ao Fantástico, no dia 4 de maio, foi um dos momentos mais deploráveis da televisão brasileira. O jogador disse inúmeras vezes estar "profundamente envergonhado" por ter cometido um "erro gravíssimo" e assegurou todos quanto à sua heterossexualidade convicta. Argumentar que, em o fazendo, Ronaldo estava pensando na manutenção de seus contratos de publicidade apenas reforça o que se deve dizer com todas as letras: Ronaldo comportou-se como um covarde, um hipócrita, e subscreveu a pressão homofóbica. Se houve "erro gravíssimo" de Ronaldo, e houve, foi esse: o de admitir uma culpa que não lhe cabe e, com isso, contribuir para a falta de liberdade sexual de nossa sociedade.

Assim verificamos o paradoxo a que o título dessa coluna se refere. De um lado - entre os "artistas", as celebridades e os "descolados" - apresenta-se uma concepção duvidosa da sexualidade e uma concepção ainda mais duvidosa da liberdade; de outro, apresenta-se uma concepção normatizante da sexualidade, que condena qualquer suposto desvio e, assim, atenta contra a liberdade da sexualidade. Em meio a isso, que idéia mais vantajosa de liberdade podemos oferecer? Já será um grande passo se conseguirmos realizar essa, de tão simples aparência: que cada sujeito possa exercer a sexualidade de acordo com seu desejo, desde que não oprima o desejo do outro.

Revista CULT.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

foto

É, eu sei !
Que tudo não passa de momento
De sorriso estipulado
De uma pose para foto
Aquele sorriso pálido
Aquele gesto engraçado
E tudo passou!
E não volta!
Aquele gesto de amigo ,
Aquele abraço ,
E aquele amor ,
De viver na lua ,
A estar no ponto ,
Da surpresa do flash ,
De não focar o merecido ,
E é só uma pressão .
Que vale a lógica ,
Que tira a graça ,
Que traz o sorriso.
E você pensa e nem lembra,
Que aquilo vai lhe trazer saudade...
(Ouro Preto, 2002)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

deus da ufop





Se Deus existe...
Vive em Ouro Preto.
Há de ser jovem.
Não perder um CAEM.
Muito menos rock de República.
Namorar nos fundos da São Francisco.
Ou apenas ficar nos amassos em qualquer beco.
Ver o pôr do sol ali nas Mercês.
Fumar algum atrás da Prefeitura.
Passar boas horas no Barroco.
Não, o cara deve ir ao Satélite.
Mas quem pensa que ele não estuda,
Deve acabar sendo algum de Letras, Filosofia ou História.
Ou quem sabe até da Ambiental.
Pode ser engraçado, extravagante,
Ou nem queira chamar muito a atenção.
Mas de qualquer maneira deve ser um cara legal.
Nas férias, ai sim vai pro céu.
Cuidar dos problemas dos um pouco mais normais...
(Ouro Preto, 2003)

pelo tempo que andei distante

Não foram poucos os motivos pelos quais eu me abstive a escrever. Nem todos foram motivos que escolhi. Mas há muitos que eu me abstenho a relatar.
Das escolhas efetuadas o aprendizado foi suficiente.
Dos acontecimentos inusitados o presente foi o choro que faz crescer. E este choro não faz só crescer. Faz muito mais que isso! Liga a auto-estima, quebra a hipocrisia, ensina os limites, define os amigos, insinua as respostas, ironiza o tempo, muda escolhas, relativiza atitudes e faz com que façamos muitas besteiras.
No mais eu não tenho escrito. Não que eu esteja triste. Há um período que é mais que isso. Ou menos?
Saudade de Ouro Preto, saudade de casa, saudade de colo de mãe, saudade de falta de vícios, saudade de abraços, saudade de momentos desinteressados, saudade de mim mesmo.
Eu estou me curtindo muito, de forma muito interessante.
Estou completamente apaixonado pelo meu nariz.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

ode ao amor fluido


Não vou usar estrofes simétricas,

a comuna não faz jus.


Eu quero da luxúria, o mais lascívo.

Quando a sombra apunhala,

quando a pureza condena,

eu quero a lama do fundo,

eu quero o amor fluido.

Prazer: o devasso.

Sem eufemismo : o puto.


sexta-feira, 23 de maio de 2008

infinitude


"Hey"amiga, quem diria que seria assim tão intenso o que sinto por você?
A cumplicidade de cada momento que vivemos sem pensar no que está fora de nossos singelos olhares. Pois é: "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é!"

terça-feira, 20 de maio de 2008

e daí


"Você pode até me empurrar de um penhasco, mas eu vou dizer: E daí? Eu adoro voar!"


Clarice

quinta-feira, 15 de maio de 2008

o pouco que me resta de depois

''É que sou um pouco antes. E só isso. Juro por Deus. E sou um pouco depois também."
Clarice.

Há aquela velha expressão interessante de se dizer: "Viver tudo intensamente como se fosse o último minuto."

Já disse isto várias vezes, e vivenciei bastante também. Não sei se é somente a idade, mas eu penso agora um pouco no antes e um pouco no depois. Me sinto bem tendo a consciência do presente, mas a interpretação que somente ele não me basta mais.

Mas como assim?

Tudo bem que pode ser devido a situação atual ou mesmo pela maturidade. Mas não quero viver somente de situações e muito menos de pensar em ser totalmente responsável, o que, diga-se de passagem, eu nunca fui.

Estar feliz é difícil, pois procuramos as frestas para toda a infelicidade possível.

O amor fluido pode adquirir a viscosidade necessária para ser eterno? Ou apenas a necessária para se viver bem por alguns meses? Ou nem mesmo possuir a viscosidade necessária e esvair-se pelo ar? Não sei. Um pouco depois, quem sabe, eu possa saber a resposta. Ou nunca me aproximar dela. Eis a intensidade de tudo. Eis a vontade de viver mais. Eis a possibilidade de se viver intensamente a cada minuto como se este fosse o último.

O não conhecer tudo me excita muito.

domingo, 11 de maio de 2008

as páginas que ainda podem ser redigidas

Meu mundo não é azul.
Minhas vitórias não são constantes.
Meu não saber é abusado.
Não é outono, mas há folhas sobre o chão.
Seu olhar pode ser mais óbvio.
Suas ambições menos paradoxais
Seu sorriso menos provocativo.
E sou eu as folhas que se encontram pelo chão.
E é a você que permito toda a história.

sábado, 3 de maio de 2008

ordinário não ser eu

Não que haja saudade,
da produtividade indiscriminada.
A felicidade do ter amigos.
O sono que não vem
ou não se tem.
A segunda que temo
dos anjos sem auréolas.
Medos indiscutíveis na mentira.
Ilusão de satisfação.
Intrusão generosa e medíocre.
Tesão reprimido.
Virgindade obsoleta.
Inocência sem pureza.
Verdades.
Quando abriremos nossos olhos?
eu não sei ser eu.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

isonomias dos epitáfios

Careta não é estar fora de moda
Autoritarismo é ter controle?
A paciência pode ser um fardo?
O controverso do estorvo é não estar onde se espera
Mas onde tem de se estar
Às vezes o não perdão é necessário.
As falhas são mais corretas que os acertos.
E o ontem é menos que amanhã
Sem flores amarelas e sem sono.

domingo, 27 de abril de 2008

eu ainda acredito nos homens


Não costumo escrever no blog com este fim, mas no momento...
Estive uma semana em Belo Horizonte para participar do II COMBIO - Congresso Mineiro de Biodiversidade. Assisti a uma das melhores palestras de minha vida referente a Associação Mico-Leão-Dourado. Confesso que minha crença nas atitudes de algumas Organizações não Governamentais estava muito comprometida e começava a desconfiar da atuação de muitas delas. Denise Rambaldi, a ministrante da palestra, me fez crer mais no homem e acreditar que um futuro melhor é possível. Parabéns e obrigado Denise Rambaldi.


sexta-feira, 18 de abril de 2008

amontoados

Silêncio vazio
Vícios da rotina
Desejo de esconder
Opaco parecer
Lugar único que só eu sei
Confusões de codinomes
Conhecer e aceitar
Furtar o tempo e as impressões
Visões sem alvo

História curta

Folhas sem chão
O que houve?
Onde eu estou?

e no amontoado de personalidades
eu sou

sábado, 12 de abril de 2008

verdades do anoitecer

As lágrimas não vêm dos olhos.
O inferno é claro e passa rápido.
O odor do vício impregna paredes.
Lembranças e impotências podem persistir.
Nada é para sempre.
Nada dura menos que o suficiente para se curtir.
Camelo já perguntou: “De onde vem a calma?”

A timidez é dádiva?
Até quando a casa materna é sua casa?

É apático e súbito o choro dos grandes garotos.
Teimar em desistir não é nada original.
Ser carnívoro de corpo e alma é uma insensibilidade prazerosa.
Luzes disformes são pretensiosas.
As Minas não são tantas quantas parecem.
Não é nada singular ser brasileiro.
Nunca desistir é buscar caminhos alternativos.
A Lua não tem luz própria e o Sol é um ditador impune.
Não existem respostas para o “ai ai”

sexta-feira, 11 de abril de 2008

felicidade

Pois é... não desistir vale a pena. A luta fremente vence sim a sensação de impotência... E isso é bem mais difícil de expressar.
"Quem atinge seu ideal, vai além dele" já dizia Nietzche. E eu quero mais é seguir feliz o meu caminho. não sei quão duradouro pode ser estes momentos, mas saberei aproveitá-los como nunca.
É somente uma vontade de gritar... sou feliz cara... sou feliz...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

disforme


Não é fome
Nem falta de sexo
Não é doença
Muito menos ausência
Não é sede
Não é dor
Nem é pecado
Nada do passado
Nada relativo a amor

Nem instinto
Nem pesadelo
Quem dera fosse sonho
Mas não é

Nada de nostalgia
Nem presença
Não é excesso
Nem insucesso
Nem sensação
Não fere
Não embriaga
Nem cansa
Não confunde
Não sufoca
Nem deixa à vontade

Não se escolhe
Nem se obriga
Nem tem continuidade
Do fim não sei
Mas enlouquece.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

sobre o que sei entre você e eu

Acho que a gente forma uma dupla dinâmica.

Estou aqui a um tempo pensando o que escrever. E sério, vou falar exatamente tudo o que vier em minha cabeça, sem reler, nem nada...

Eu sei que cobro muito de você. Eu sei que sou intransigente e às vezes até mesmo mal educado. Eu sei que posso ser um besta e um tremendo de um chato. Sei que num sei pedir desculpa...
Tenho cobrado bastante. Sei que você pode muito bem pensar que nunca me agrada. Mas você pode ter certeza que meus finais de semana não são os mesmos depois que te conheci. Você é muito importante pra mim e o que eu mais quero é sem dúvida seu bem... Sei que é difícil escutar "eu te amo" de minha boca, e também sei o quanto isso é importante pra vc... Importante porque vc se apresenta carente e sensível... Uma sensibilidade que não tenho... Sou frio... e mal nesse sentido.

Quando você disse que o melhor era se afastar de mim, senti um aperto tão grande que nem sei explicar.

É egoísta meu jeito de não aceitar as pessoas assim como elas são, mas eu sou assim, e preciso mudar. Vc tem me auxiliado muito nesta questão. Sei que mudamos juntos. Assim como eu fico chateado contigo, você tem todo o direito de também ficar chateada comigo por isso.

Sua carência e sensibilidade são totalmente desnecessárias. Eu sei o quanto você é forte. Muito mais forte do que imagina. Uma pessoa que viveu tudo que você viveu e tem o sorriso mais lindo do mundo?

Eu que não sei pedir perdão. Eu que não sei reconhecer meus erros. Continuo insistindo em que mude suas atitudes, pois só é assim que eu vou conseguir mudar as minhas. Preciso de sua presença que me contagia e que me faz uma pessoa feliz. Mas preciso do meu espaço e às vezes tenho mesmo essa necessidade besta de ficar sozinho.

Não quero ser o melhor amigo de todos os tempos apenas de uma última semana. Eu quero permanecer. Você nem sabe o quanto é importante. Mesmo aqui meio dopado eu te confesso que choro.

Te amo. Me entenda.

(por testemonial via Orkut a uma pessoa muito importante pra mim)

terça-feira, 1 de abril de 2008

depois de antes


Eu vou fugir
Do ontem, do hoje e do agora...
Por linhas brancas e tortas...
Buscando em amizades passadas
Verdades insatisfeitas

Eu vou fugir de mim...
Vou escolher cantos e escombros
Na beleza dos lotes baldios
Comer a fome do lixo
Beber do esgoto do paraíso
Esconder meu riso

Eu vou fugir...
com beleza putrefaça
num vôo sem asa
num medo da raça
num devir benévolo do qual nem sei.

segunda-feira, 31 de março de 2008

ficção do ineditismo imprudente

Absolvido
Máquina temporal
Desafio denunciado
Vigilância lateral
Tráfego da legalidade irritante
Imprudência morta
Inédita repetência
Ficção do passado
Pouco da incompetência
Impacto desinteressado
E eu sinto frio.
E pena de quem espera algo de mim.

casus belli


( (Lat. /cásus béli/))
sm. 1 Jur. Qualquer incidente capaz de provocar uma declaração de guerra.

É assim que me sinto. Numa constante probabilidade de mudanças radicais de humor. Instável. Eu confesso que minha condição bipolar proporciona situações de conflito internas que causam uma dor incessante. Fatos pequenos eu sei, mas que no meu subconsciente alcançam magnitude que não me permitem nem ao menos sorrir. O que me proporciou prazer outrora, agora me proporciona um desprezo descomunal. Não há o que classifico como inegavelmente bom, nem algo que possa repudiar completamente. Isso me fragiliza muito. Minhas relações sociais tem sido muito prejudicadas, eu admito. Eu não sou a melhor companhia e peço desculpas a quem convive comigo por isso.

Talvez o melhor mesmo seja este passo sem tocar o chão.



domingo, 30 de março de 2008

inverdades sobre o ser amado

Notícias indignas de Titã
Viscosidades intencionais na fala
Mimetismo sincrético na luminosidade absoluta
Degradação do sublime indiferente
Luas do silêncio da felicidade medíocre
Sois da festa do luto dissimulado
Quantas vezes eu fui feliz por ter você?

quarta-feira, 26 de março de 2008

amigos que sabem de clarice

O SONHO
Clarice Lispector
Sonhe com aquilo que você quiser.

Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.

...
...
...
Ah... eu já chorei tanto, me machuquei e nem foi pouco... tento sempre... as pessoas não passam permanecem... onde está a felicidade Clarice? Onde ?

terça-feira, 25 de março de 2008

panapaná incoerente


Onde...

a cidade encontra indiferente
a adaptável beleza da honestidade
naquela incoerência,
um tchau.

Sim, a bur(r)ocracia confia em mim.

Haviam muitas leis.
Certo de que morri.
Vou ao banheiro,
com respostas de amanhecer.

A febre faz-me cafuné.

A libido da aguardente,
transforma a panapaná em lixo,
xenofobia do nômade em lírio.
O sim que desengana,
na palavra que fica.

quinta-feira, 20 de março de 2008

demos

às vezes eu acho que a democracia de hoje é muito mais ditatorial
ninguém enfrenta a máscara democrática...

... obrigado Iá, caminhamos contra o vento, hoje não usamos lenço, temos documento... mas eu vou viu... eu vou....
...
..
.
Secos e molhados - Rondo do Capitão

Bão balalão,
senhor capitão.
tirai este peso
do meu coração.
não é de tristeza,
não é de aflição:
é só esperança,
senhor capitão!
a leve esperança,
a área esperança...
área, pois não!
peso mais pesado
não existe não.
ah, livrai-me dele,
senhor capitão!

quarta-feira, 19 de março de 2008

quem sou eu

Sim. Eu sou.
Sou isto e aquilo que incomoda
Que fere a falta de presença
Que representa
Que afasta e atesta
Sou medo de amanhã
Sou luz de lua Nova.

terça-feira, 18 de março de 2008

barbárie cotidiana

Supraterrena alvorada
Imitação pedante das montanhas de lá
Gratidão às doutrinas discutíveis
Destruição natural da natureza que não é divina
Virtudes cheias de cobiça
Os amigos de ontem e o sexo de hoje
Opção da vergonha do filho, refletida na pupila do pai
Abnegação impiedosa da pré-moral instintiva.
Hábitos poderosos nos jejuns impostos e recorrentes
Saudades idealistas e afeminadas
Autodesnudamento do choro que não consigo justificar
Omissão no privilégio raro das máscaras que não refletem.
Eu confesso o eterno mal-entendido.
O silêncio do jogo
O sofrimento que ele proporciona.
Nem Patrocínio
Nem Ouro Preto
Nem feliz
Nem triste

segunda-feira, 17 de março de 2008

meu tamanho

Citando...
.
Clarice Lispector - Água Viva
.
"E Deus é uma criação monstruosa. Eu tenho medo de Deus porque ele é total demais para o meu tamanho."

domingo, 16 de março de 2008

o menino e o cavalo

Depois de um dia não muito agradável de trabalho presenciei uma situação muito interessante que volta a minha memória recorrentemente. Um cavalo estafado deitado num canto da esquina, sangrava nas pernas tortas que sob o corpo pareciam ter a possibilidade de se romper a qualquer momento, gerando uma angústia daquelas que nós faz engolir seco e regurgitar um som que não sei muito bem como definir. Um olhar de socorro.
Do imediatismo: um atropelamento. Não. Era somente cansaço, fome e o olhar estava justificado. No lombo sobre as costelas espostas pela fome, as marcas da carroça de material reciclável que se encontrava um pouco afastada, com um amontoado de papelão que saltava as vistas, decorada de cartazes de antigas revistas masculinas.
O animal tentava se recompor a todo custo e nesta tentativa inútil cada vez mais se feria. A cena doia muito. E o olhar do jovem, digo, criança que se encontrava ao lado refletia toda aquela situação. Era medo? Dor? Pesar? Ou simplismente uma tentativa de sobreviver numa conjuntura desigual.
Eu tive vergonha dos meus cartões de crédito, da minha cerveja de final de semana, de minhas roupas, de minhas ambições, de minha formação, tive vergonha de mim mesmo e tive vergonha não só por mim mas por todos que ali se aglomeravam.
Nos últimos dias tenho sentido uma impotência fremente.
E o menino e o cavalo ? Não sei. Há coisas que realmente é melhor esquecer. A única certeza que tenho é o amor que ele tem por aquele pobre cavalo e o ódio que ele sentiu do meu olhar.
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Citando...
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Vidas Secas - Graciliano Ramos
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"Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam."
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"Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinha Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensangüentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo."
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"A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:— Vão bulir com a Baleia?Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras. Quiseram mexer na taramela e abrir a porta, mas sinha Vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os pequenos resistissem, aperreou-se e tratou de subjugá-los, resmungando com energia.Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia.Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia.Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como sinha Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga:— Capeta excomungado.Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens.Pouco a pouco a cólera diminuiu, e sinha Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável."
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"Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco-, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.Ouvindo o tiro e os latidos, sinha Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se.E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos.Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda.Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros.Caiu antes de alcançar essa cova arredada Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas.Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis.Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra.Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se.Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade.Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinham fugido.Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas.O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sossegou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido.Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera.Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança.Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles.Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar, as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinha Vitória guardava o cachimbo.Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado.Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, sinha Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochiles, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha.A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinha Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."
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"Desejou ver aquilo de perto, levantou-se, botou o aio a tiracolo, foi buscar o chapéu de couro e a espingarda de pederneira. Desceu o copiar. atravessou o pátio, avizinhou-se da ladeira pensando na cachorra Baleia. Coitadinha. Tinham-lhe aparecido aquelas coisas horríveis na boca, o pêlo caíra, e ele precisara matá-la. Teria procedido bem? Nunca havia refletido nisso. A cachorra estava doente. Podia consentir que ela mordesse os meninos? Podia consentir? Loucura expor as crianças à hidrofobia. Pobre da Baleia. Sacudiu a cabeça para afastá-la do espírito. Era o diabo daquela espingarda que lhe trazia a imagem da cadelinha. A espingarda, sem dúvida. Virou o rosto defronte das pedras do fim do pátio, onde Baleia aparecera fria, inteiriçada, com os olhos comidos pelos urubus."

sábado, 15 de março de 2008

rotinas

Distinção preponderante e extensa.
Moral submetida ao fluir denso.
Vindouro momento de calma utópica,
Repugnante denuncia por odor de exílio
Alheia falta de companheiros e companhia.
Sanguessuga de bastidores intensos,
Ceticismo mesquinho da falta de medo da morte.
Cigarro que culmina em direção ao lábio.

cada dia é menos um

"Eu juro que é melhor não ser um normal "

longe de tudo

"Um Homem discreto"

"Deus lhe deu inúmeros pequenos dons que ele não usou nem desenvolveu por receio de ser um homem terminado e sem pudor"


Clarice Lispector
...
....
Ainda bem que há quem não tenha pudor.... mas isso me faz sofrer o quanto é necessário para se sentir um pouco maior.
Eu quero
e posso...

quarta-feira, 5 de março de 2008


.. por baixo...

Hoje eu tive a oportunidade de ver o mundo de cima.
E como tudo é tão belo e triste de lá. É como se pudesse tocar a mão do Deus que não acredito completamente. E este mero toque me permite julgar. Julgar o quanto somos capazes de tornar tudo tão feio. Como somos capazes de transformarmos tantas perfeições em meros objetos a nosso favor. E é assim que me torno cada vez menor e percebo o quão longe estamos de ser seres perfeitos.
Por alguns momentos me senti tão ínfimo que sumi. Retornei melhor, mais consciente sobre o que devo fazer... mas tão impotente.

terça-feira, 4 de março de 2008

algo a dizer..

Cheguei a pensar em começar este blog com um "Querido diário...". Não que eu entenda que isto possa de alguma forma alterar quem sou, mas sinceramente não pretendo fazer deste espaço somente uma parede de lamentações, menos ainda um confessionário. Então porque utilizaria "Querido diário..."?
Quero expor idéias, contrariar... não dizer apenas o que se quer ouvir... vomitar o que penso... mas às vezes por aqui (mundo real) eu calo. Não sou exato, cometo erros, mudo de idéia e também sou capaz de me arrepender. Tenho muitos defeitos! Muitos mesmo... e assumo a responsabilidade por eles.
Não conheço muito meus limites, ignoro minhas responsabilidades e vivo num "foda-se" eterno. Hoje foi um dia difícil. E talvez seja por isto que resolvi iniciar este processo. Pode ser que amanhã eu desista e nunca mais utilize este espaço.
Aos que resolverem perder seu tempo... enjoy.

ventava





saudade do tempo que ventava
no momento irregular da fala
no oposto singular do inquestionável
na vontade de gritar
ventava
nos dias frios e quentes no alvorecer
ventava
só sei que o irregular
não é esperar o tempo
implorar a volta ao passado
mas sim reclamar do ontem
que ainda não veio
dos sentimentos que não queremos
dos momentos que passamos e não vivemos
prás bandas de lá ventava
ventava saudade
ventava coisas que não explico
e o vento leva tudo que não queremos apagar