Depois de mais um dia de trabalho, reuniões que nem sempre cumprem o seu real objetivo, retorno sempre pelo mesmo caminho. À pé, olhos baixos, ouvidos atentos. Horário no qual todos saem da labuta e imaginam aquela recompensa de fim de mês. Algumas suadas, outras delegadas, muitas desmerecidas.
Três adolescentes, de um programa municipal de trabalho para jovens carentes, cruzam meu caminho. Olhos atentos, sorrisos brancos e largos contrastantes com a tonalidade de pele de um moreno jambo. Faceiras como diria-se antigamente. Entretanto, de um tipo de pessoas que não me despertam nenhum interesse. Parece soberba, mas é só sinceridade... suburbanas.
"...90 reais daria para comprar o tênis que eu sonho."
O valor do tênis do sonho daquela garota, a mais cheinha, marcou meus tímpanos. A imagem do tênis eu não consigo formar, me angustia. Parece que diminui o passo, ou parecia que o mundo girava um pouco mais devagar. Sonho... A palavra sonho não me saiu da cabeça. Ergui meus olhos e com tudo um pouco mais devagar olhei quem passava de carro, quem sorria num ponto de ônibus, um casal que brigava em silêncio, um menino que arrastava a mãe, dois amigos de meia idade que gargalhavam do outro lado da avenida. Olhei bem cada rosto, cada olhar e não consegui descobrir nada de sonho. Quais seriam seus sonhos? Quanto valeriam seus sonhos? Com o mundo rotacionando devagar, tive tempo de olhar para trás, assemelhando-me a um boçal a olhar mulheres interessantes na rua. Senti-me pequeno, minúsculo, invisível. Tive vontade... sonho... de correr atrás da garota pegá-la pelo braço e pedir que ela me dissesse como era aquele tênis, onde encontraria aquele tênis, dizer que queria dar-lhe aquele tênis. Era uma oportunidade única de realizar um sonho, mas eu me encolhi e fui mediocre como sempre fui. Abaixei novamente a fronte, quis pensar em comida, música, sexo e baladas, mas não, o sonho não me permitia pensar em mais nada.
Incomodado abri a carteira, nada mais do que 40 e poucos reais. Parece brincadeira, mas sofri imensamente. Acendi um cigarro, e por esquece-lo de levar a boca, o vento e o tempo fumaram. Lembrei meus sonhos de infância, meus sonhos confusos de adolescente e dentre minhas certezas de adulto, percebi que meus sonhos atuais não tem preço. Não posso comprar minha felicidade, o abraço que queria ter ao chegar em casa, o sorriso bobo depois de um beijinho de encontro, a mão dada na balada, o olhar de saciedade depois do gozo de amor. Tem olhares que não tem preço. Acredito que a idade faz com que a conta bancária não compre sonhos. Acredito que a garota gordinha também possua sonhos sem preço. Sonhos tais como o cabelo e o corpo da Aline Morais, ou quem sabe sonhos mais ousados, como noites com o Matheus Solano.
Eu cheguei em casa e continuei a mesquinhez de não parar de pensar em meus sonhos, quis criar asas, flertei Kafka e sonhei ser barata.
Quis não parar de sonhar. Lembrei dos senhores de meia idade que gargalhavam e tive medo de não me permitir sonhar em algum tempo.