E se foram os “prazos finais”
E o cheiro de cravos parece impregnado nas minhas pestanas…
E minha pálpebra anda meio que mofada de tão úmida…
Foram 50 dias.
Eu nunca marquei tanto com meus passos a terra que sobrepõe os “sete palmos”.
Mas hoje ainda mencionei: “não se joga mais terra sobre os caixões”.
É tudo tão cimento e mármore.
E assim, tão cimento e mármore, se tornaram os vínculos.
O alguém que esteve ausente, tornou-se o quase sempre triste, esquisito e nada popular.
Eu não sou bom fisionomista com pessoas que não vejo há mais de 15 anos.
De família que não conheço, a não ser por nome mencionado nas conversas de adulto, na Honorana.
Mencionados sob a varanda grande
frente a um pomar frondoso
junto a biscoito de polvilho recém saído do forno de fogão a lenha
em cafés da tarde realizados ao meio-dia
relacionados a gado, café e terras
divisas, cercas e histórias
junto a escada que marcou meu rosto aos 3 anos
junto a família que eu vi esfacelar-se com o tempo
e com os vínculos inversamente proporcionais ao apego sórdido pelo dinheiro…
Minha herança.
Eu herdei o mármore e o cimento da tristeza e afastamento
do chorar sozinho, meio que escondido
pois ante a lápide, me imputaram a dureza do concreto
queria, contudo, a água em terra fofa… gerando lama..
uma lama que suja, que impregna e que não há marreta no mundo que desfaça
Minha família foi concreto de pouco cimento, que ao menor contato se esfarelou em areia…
A areia que o Rio Pirapitinga levou.
E daquele tempo de criança, eu recordo da lama que impregnada nas bermudas das crianças o tempo lavou.
A Fazenda Honorana me dói assim como “ralado” em concreto grosso.
Todavia, de uma ferida que veio de sorriso de criança arteira.
De tombos escondidos da mãe que ordenava ficar quieto.
Dói como as lágrimas engolidas.
Dói como saber que, depois do banho, a casquinha de sangue coagulado se desfaz.
Minha vó teimava em passar arnica ou mertiolate.
O mertiolate nunca mais foi o mesmo depois que parou de doer.
Doía pra burro.
Eu nunca pensei que esta recordação um dia me reconfortasse.
E eu nunca mais vou escutar o “bundudo”
os novos “sem vergonha” nunca terão a mesma inocência.
Eu nunca mais quero ir à Honorana.
Pois ao chegar eu sei que vou sentir falta de alguém que estava ali,
escondido em algum canto,
pronto pra me receber com o susto mais previsível do mundo.
Hoje o mato deve estar grande, não deve haver mais lenha em frente o jardim.
Não há mais quem me acompanhe para pescar lambaris com peneira.
As amoras, as mangas e as jabuticabas devem ter o gosto amargo de passado.
Do biscoito de polvilho, só resta o azedo do tempo.
Eu revirei os álbuns de fotos antigas e foi ali que encontrei o pior veneno que minha avó salientava haver nas cobras que se escondiam pelo pasto.
O veneno saudade.
O veneno de não saber mais.
O veneno da lembrança de como aquela época foi boa.
Numa foto estavam todos os netos.
Todos de olhos sedentos pelo futuro cortar bolo de aniversário de 9 anos.
Eu não preciso nunca voltar a Fazenda Honorana.
Pois há um pedaço de mim que está lá.
E como dói saber que ainda há natal, mesmo depois daquele em que passamos todos juntos aguardando o Papai Noel.
Com muitas saudades de “Dulce”, “Dona Ana” e “Seu Norico”.