Eu escutei a voz doce: “meu filho”
Senti um afago invisível daquela mão enrugada.
Ouvi a risada gostosa
e pude reparar num relampejo os dentes amarelados pelo cigarro.
Escutei aquela tosse de um senhor
enrolado em cobertores que recordo da infância.
É como se os três estivessem ali me acompanhando…
Próximos, reconfortando minha despedida…
Me empurrando para um “viva”.
Eu visitei meus pais
Estive em Patrocínio.
Era dia de Finados
Eu não contive as lágrimas frente aquela lápide marrom e fria.
Recém construída.
Passei uma semana em casa… família… pai, mãe e ponto.
Se passaram 4 meses
E pareceu ontem.
A perda é algo que não passa
as lembranças são algo que sempre estarão ali.
Na rodoviária, aguardando um ônibus que sempre atrasa
Indo pra casa, não, saindo de minha casa…
Eu tive um momento nostálgico
Numa cópia da Certidão de Óbito do Sr. Honorico Corrêa de Melo
descrevi minha saudade
Transcrevo o que redigi no verso:
“
Da arte de esquecer da saudade
Minha presença foi repentina
Relampejo
Ausência
Mais uma vez: ausência
É um medo estranho
Quanto medo eu tenho destes vínculos quebrados
Boletos para os quais não encontro o dinheiro que pague
É uma holerite de vida desbotada
É um espaço de cheque assinado que não preencho
É uma tristeza de graça
É um desfazer fácil de sorriso
Sobre a lápide, fotos de sorrisos raros
existência humilde, luxúria,
avareza, amor
pecados
virtudes
passou
A proximidade da Honorana me deixa pálido, esquálido, fraco
escuto o barulho do vento
me transporto para a porteira do curral
o gado e o estrume
a calça com o tecido puído
a memória da agulha fazendo remendos
sinto o cheiro do silo
subir o barranco e alcançar a jabuticabeira
eu consigo me lembrar dos três degraus
marcados na terra do silo abandonado
o cheiro de mexerica
a grande amoreira
o pé de manga, garagem do trator
é como se ainda pudesse ler cada paragrafo
de cada livro que li ali
E por ironia
me recordo exatamente de: “Sozinha no mundo – Marcos Rey”
naquele fundo da casa velha
depósito de defensivo de gado
o rego seco
a peneira, os lambaris
a represa
a passagem do gado sobre o córrego
a pastagem seca
a pastagem verde
e eu escuto aqui sentado na rodoviária o barulho do vento
como eu gostava de sentado naquela porteira
olhar a infinidade da pastagem
em direção ao “corguim”
e escutar o barulho do vento
barulho de vento
Era desejo de minha avó
que minha mãe ficasse com a sede da Honorana
mais que nunca
Eu quero a sede da Honorana.
Como as notícias presentes me tornam triste.
Eu amei muito minha tia.
Era alguém por quem tinha verdadeiro fascínio.
Penso se não era inocência infantil
Mas era o “melhor arroz do mundo”
Pior que antes de ódio
é tristeza
decepção
muita tristeza.
Tenho ímpetos de cólera
De apagar razão
soltar impropérios
mas só identifico meus soluços.
É Patrocínio.
Minha presença
um vazio indescritível que encontro aqui.
Eu me senti de uma forma “feliz-mal”
em uma espera de preenchimento
que nunca finda
Não há o que preencha
Há o que disfarce
Mas não tem fim
Talvez seja bem isso que denominamos
LUTO
O pior luto, é aquele por quem está vivo.
”
Rodoviária de Patrocínio, 14:18, 4 de novembro de 2011
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